sábado, 17 de julho de 2010

EPITÁFIO II


Epitáfio Quebrado


Ednaldo deixou o copo cair no chão, molhando um pouco o carpete, fato que deu motivo para breve fala exaltada da esposa, ressaltando sua incompetência.

O miserável levantou meio que se arrastando, meio que morto-vivo, pegou o copo que caiu em pé e colocou sobre a pia, como quem deixava para depois.

Foi então arrumar a mesa como a esposa pediu. Apagado em seus pensamentos, esboçava um risinho irônico contra si mesmo ao se indagar o quanto a sua vida estaria valendo naquele momento; não conseguia escanear na memória, se já houve algum tempo em que teve maior valor. Arrumou a mesa silenciosamente, fez o melhor que pode diante da própria mediocridade; usou a sua antiga e rápida experiência como garçom de botequim, um tempo longínquo onde já tivera alguma esperança.

A mulher, não menos medíocre, sem lhe dar crédito algum, disse ao voltar do banho que homem que é homem não se mata sem dar aviso ou deixar um bilhete, pois não seria justo a polícia vir com suspeitas para cima dela; também se faz necessário deixar os papéis bancários organizados, uma viúva não pode ficar desamparada; e que seria bom que ele aprendesse com ela a organizar os documentos em pastas específicas.

E falou que sobre o assunto tinha só mais uma coisa a dizer: se ele realmente quisesse cometer algum suicídio idiota, que fosse no decorrer do dia, nunca em horário próximo a sua chegada do trabalho, porque assim ele não passaria pelo vexame de ser socorrido e ter que dar explicações à família e aos estranhos.

Ednaldo comia lentamente, enquanto a companheira abandonando o assunto anterior, falava sobre bolsas e sandálias, sem deixar de dar destaque especial para um jogo de jantar que vira no centro comercial no horário do almoço; disse também que encontrou uma loja com boas camisas em promoção, sugerindo que o marido fosse dar uma olhada, porque nem para se trajar ele servia.

Com uma falsa atenção, o sujeito mastigava o jantar sem ouvir direito o que a mulher dizia, pois seus pensamentos pairavam ainda sobre a decisão de morrer.

Terminado o jantar, a esposa perguntou se Ednaldo queria um cafezinho. Ele se ofereceu para pegar. E ela, que continuava a tagarelar, fez pausa para dizer que preferia o seu café em uma xícara grande. E continuou dizendo que o marido não tinha competência para escrever um bilhete de despedidas.

Ednaldo pegou um bloco de papel e a desafiou: “mostre-me o que você escreveria”.

A mulher arrogante rabiscou umas três linhas em um pedaço de papel e o entregou ao marido. Enquanto a deprimente mulher tomava o café, o homem medíocre leu o bilhete às gargalhadas. Logo a esposa começou a se contorcer e morreu. O homem levantou-se da mesa, foi para o quarto e dormiu um sono profundo, não sem antes examinar o cadáver e colocar o pedaço de papel sobre a mesa, bem em frente à esposa suicida.

Este texto é uma sequência de "Epitáfio", de Ivette G.M. (publicado em 14/07), a mesma acenou positivamente a esta minha intromissão, concordando com a publicação neste blog.
Almirante Águia

Este trabalho e muito mais, vocês encontram
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5 comentários:

  1. Aqui jaz uma mulher que sabia mais que o marido.

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  2. Aglacy
    Se soubesse não cairia em armadilha tão tosca.

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  3. O que será que ela escreveu?
    Vamos aguardar o capítulo III...

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  4. Bem, está explicado porque o cabra queria se suicidar, a mulher era um saco! Quanto ao desfecho, muito bom. Não interessa o que havia no papel, a jararaca já se foi mesmo!

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  5. Muito bom, serve de exemplo para as mulheres e os homens tambem. Bom fim de semana, sem suicidio hem?

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