quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um Brasil de Trabalhadores




Um Brasil de Trabalhadores*
por Altair Ramos
"Se você fabrica miséria, você e seus
filhos serão engolidos pelos miseráveis."
(Wilson Aragão, poeta, cantor e compositor)

O Brasil que pretendemos para o século XXI ainda esta muito difícil de acontecer neste século, pior é ter a certeza cruel de que as mudanças esperadas, quando ocorrerem, o século certamente será outro; o que continuará nos mantendo no atraso. Exemplo disso é a falta de atenção com o trabalhador, relacionada principalmente com as condições ambientais, de segurança, saúde e qualidade de vida.

Historicamente, a humanidade lutou, muita gente se doou, muitos encontraram a morte ao esforçarem-se para acabar com a escravidão, com as explorações do sistema feudal, com as degradantes condições de trabalho em jornadas penosas e debilitantes. Grandes avanços foram conquistados, porém os trabalhadores não desfrutam ainda, as graças da liberdade e da igualdade.

A desatenção com a classe trabalhadora passa pelos propósitos do capital e pela ganância, pior ainda, passa pela desatenção das políticas públicas. Quando existem, são objetos retóricos carregados de demagogia, o que podemos identificar como politicagem. O povo brasileiro vive a se gloriar por ter a melhor legislação do mundo em diversas áreas, sendo continuamente atualizada e primando pelas padronizações globais, o que permite ser bem aceita pelas organizações internacionais.

Os programas de segurança e saúde, adotados pela maioria das empresas, são compostos por documentos de fachada, recheados por burocracias e enganações. É comum as empresas adotarem princípios e regras de prevenção de acidentes, somente porque os níveis de exposição aos riscos são altos, podendo afetar a integridade física e mental do trabalhador, em repetidos casos, de maneiras irreversíveis. Outras adotam tais medidas porque o tomador de serviços faz as exigências em cláusulas contratuais, ou seja, não estão protegendo os trabalhadores, estão protegendo o mercado e as finanças.

Os órgãos de segurança do trabalho dentro de muitas empresas funcionam apenas para o cumprimento de requisitos legais e administrativos, realizando o mínimo do mínimo. Engenheiros de segurança do trabalho são deslocados para atuar em programas de qualidade, desviam ou acumulam suas funções nos setores administrativos e operacionais. Já testemunhei caso de engenheiro, chefe do setor, não conhecer as instalações da fábrica onde supostamente atuava ou os riscos a que os trabalhadores se expunham. Como pode profissional deste naipe, realizar algo a favor do trabalhador?

Entre os médicos do trabalho, inúmeros são de péssimo caráter, sem qualquer ética profissional, atuam a anos-luz de distância, daquilo que assumiram quando fizeram juramento profissional, realizando a produção em série de ASO - Atestado de Saúde Ocupacional. Difícil entender como é possível realizar mais de duzentas anamneses em menos de três horas de trabalho. Estes super doutores trabalham muito aquém do mínimo necessário, ceifadores de vidas, em nada se preocupam com a vida humana, com os limites laborais de cada indivíduo.

Técnicos em segurança do trabalho e técnicos em enfermagem do trabalho, por muitos, considerados anjos de guarda dos trabalhadores, vivem em uma corda bamba entre o bem e o mal. São vítimas e algozes de um sistema cruel, marcados por baixos salários e desemprego certo, caso não dancem conforme a música do patrão. Muitos são meros capatazes e capitães do mato, nas senzalas modernas, onde a escravidão institucionalizada mescla-se com o descrédito e a falta de interesse dos trabalhadores nas associações de classes e sindicatos, com a falta de fiscalização, e com a gigantesca necessidade de se manterem no emprego, apesar das péssimas condições ambientais e humanas.

Os empregadores precisam considerar que as melhorias ambientais, a prevenção de acidentes e capacitação dos trabalhadores, assim como o controle médico da saúde da população laboral, são investimentos e não despesas. Estes auferem lucros altíssimos, muitos são beneficiados com isenções tributárias e contribuem muito pouco para a qualidade de vida dos seus funcionários. Muitos acreditam que formar e capacitar o trabalhador seja “criar e alimentar leões”.

Uma enorme decepção e cruel desilusão acompanham a mim e outros milhares de trabalhadores, cidadãos brasileiros, porque não visualizamos motivos para alegrias e comemorações desenvolvimentistas. Ao compararmos os textos legais com a realidade predominante nos postos de trabalho, descortinamos o abuso de poder, o assédio moral, o subemprego e muitas outras injustiças, cujos sentimentos represados em nome da sobrevivência, acabam por fomentar as estatísticas da violência doméstica e urbana.

Desconsiderando inúmeros outros aspectos, entre eles, os trabalhistas e os de relacionamento, é de grande importância que políticos e governantes dispensem mais atenção para as questões de segurança e saúde do trabalhador. É imprescindível que os órgãos fiscalizadores atuem fisicamente nas empresas, que não fiquem atrelados aos escritórios das superintendências por força dos cortes orçamentários, aguardando denúncias que não chegam porque o trabalhador não sente proteção quanto as possíveis e prováveis retaliações.

O simples esboço aqui apontado sobre a questão da segurança e saúde do trabalhador e a prevenção de acidentes, serve somente para sinalizar aos políticos, empresários e trabalhadores em geral, que é preciso ampliar a fiscalização, faz-se necessário que os fiscais adentrem as empresas e conheçam a realidade por detrás dos programas, dos relatórios e das estatísticas empresariais.

O mundo empresarial e os sistemas econômicos predatórios são diretamente beneficiados com a qualidade ruim do sistema educacional do nosso país, que promove a formação de uma massa de ignorantes, desinteressada da participação política, pronta para sustentar com as forças dos próprios braços, a fantástica pirâmide do projeto capitalista.
* Publicado no livro: "Carta ao Presidente - Brasileiros em busca da cidadania" - Ómnira, 2012
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