A
Verdade e o Ovo
Altair Ramos
Quando nasci, era um ovo. Minha primeira
casca ressecou, rachou e quebrou. Todos diziam que era um lindo ovo. Talvez, o
mais bonitinho de todos.
Com o passar do tempo, assim como acontecia
com todos os outros, nova casca se formava, sequencialmente ela ressecava,
rachava, se quebrava, esfarelando-se totalmente.
Assim vivíamos as nossas vidas comuns, de
ovos comuns. Sem maiores preocupações, nem mesmo as existenciais.
Éramos perfeitos, bastava que seguíssemos os
exemplos e as orientações dos mais velhos, reverenciando sempre, as nossas
cascas perdidas. Assim seríamos felizes, viveríamos íntegros, até que a última
camada secasse, rachasse e se transformasse em pó.
Contudo, algo me intrigava, eu queria saber
por que tínhamos tantas camadas, queria saber como elas envelheciam, queria
saber por que a cada troca de camada, ficávamos menores, até desaparecermos.
Queria entender por que não crescíamos,
sempre diminuíamos, mas ninguém ousava falar sobre o assunto, coisa que nos era
proibido com muita energia e terror desde a nossa mais tenra idade, quando
tínhamos bom porte, e éramos suculentos.
Eu, sempre pensava recolhido nos cantos, que
nossa existência de ovos, era por demais, miserável. Os por quês, vinham à
mente, mas não se transformavam em palavras. Quem sou eu? Um simples ovo não deve
questionar as verdades que sempre existiram.
Em meio a este turbilhão mental, chegou a
nossa aldeia um viajante, forasteiro, logo, fora interpelado pelas autoridades,
pois criou uma grande confusão em um albergue, ao dizer a todos que era um ovo.
Primeiro deram risadas, impossível que fosse um ovo, com tantas características diferentes. Diante da sua insistência e forte
discussão indignada, começou uma briga onde o tal “ovo”, como se dizia, sofreu
uma rachadura, sendo levado ao hospital, de onde sairia para a cadeia por ter
perturbado a ordem.
Esta era a minha deixa, muita coisa poderia
ser explicada, pois não era comum sermos visitados por estranhos. Paradoxos
estabeleceram-se em minha mente, era necessário falar com este estranho, que
entrava em uma aldeia de ovos, dizendo ser um ovo, porém totalmente diferente
de nós.
Usando, inteligência, ardis e astúcias,
consegui adentrar ao hospital, driblei a segurança e fui ter com o estranho na
isolada enfermaria.
O sujeito tinha uma aparência esquisita, sua
forma era um pouco parecida com a nossa, seu corpo era branco, possuía uma
casca um tanto porosa, do local da rachadura, mesmo com um curativo, escorria
um líquido viscoso, meio incolor, meio pálido.
O estranho dormia, acordou quando estava
prestes a tocá-lo, assustado pediu que eu não o fizesse, explicando que diferente de nós
cebolas, ele era muito frágil, não resistiria a mais ferimentos e sua casca
poderia quebrar-se por inteiro.
Fiquei revoltado e disse a ele não
tinha o direito de criar tal confusão, somos ovos desde sempre, não uma cebola.
Afirmei inclusive não saber o que seria uma cebola. O estranho, muito perplexo, pediu-me
paciência e mostrou-me a sua identidade, onde lia-se claramente que ele era um
ovo, com pai, mãe e data de nascimento.
Fiquei indignado, o documento poderia muito
bem ser uma falsificação, mas algo dentro de mim refutava as especulações.
Perguntei-lhe se era composto por camadas, então ele me explicou que era mole por dentro, quase líquido, falou muitas coisas sobre a minha espécie e sobre a dele, inclusive
mostrou-me algumas fotografias de ninhos, galinhas e outros ovos, além de uma
revista científica que continha artigos de botânica e zootecnia.
Fiquei estupefato, toda a minha vida passou
diante dos meus olhos, questionei a mim mesmo como poderia todos em uma comunidade, manterem-se
enganados a vida inteira. Precisando entender mais, fiz sorrateiras visitas
diárias ao meu novo amigo, enquanto elaborava um plano para libertá-lo, a fim
de fazermos a grande revelação em praça pública. Isso obviamente, nunca aconteceu.
O chefe de polícia acompanhado de policiais,
abruptamente entrou no quarto, pouco falou, tomou as fotos e as revistas, fez
um fogo, jogou o ovo espatifado em uma chapa onde já agonizava um pedaço de carne,
logo em seguida fui jogado em cima do ovo, ralado, picado e fatiado.
Tanta crueldade!... Ninguém jamais conhecerá a verdade, mesmo no frigir dos ovos. Algum dia...
Muito bom o texto Altair Ramos, Precisamos de mais reflexões como esta. A verdade e o Ovo certamente entrou para minha lista de leituras favoritas. Sucesso e muitas felicidades
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