terça-feira, 27 de julho de 2010

A Peleja no Pasto do Pindobá

(É só um caso, pode ser um causo, mas é verdade das boas, com inventações e tudo.)

A Peleja no Pasto do Pindobá

Nasci na cidade grande
Na beira do mar fui parar
Depois de tempo viajando
Na Chapada vim chegar

Viver em outras paisagens
Não consigo me pensar
Sobre pedras e rochedos
Vou tramando meu enredo

De tudo o que já vi
Tenho gosto em contar
Arranhei-me em calumbi
Me lasquei nos gravatás

Fui açoitado por carcará
Do seu ninho a cismar
Num grande Itapicuru
Onde estava a descansar

Passei por cima de cascavel
Outra por mim deixei passar
Parado quietinho sem respirar
Não fui atacado, deixa pra lá

Cobra coral tem boa morada
Na toca dos caburés
Na surpresa da melindrosa
Bem escondida e preparada

A grande aventura mesmo
Foi ter uma peleja sinistra
Com uma artista da peçonha
Luta feia com a jararaca

Coisa linda de boca aberta
Fazendo esquivas de mestre
Sem timbau, sem berimbau
Valei-me todo o nordeste

Um caboclo só e arrepiado
Pulando mais que macaco
Na direita uma faca pequena
Na outra uma palha de coco

Muito aperreio e sufoco
Três chegaram a cavalo
Apearam e se alistaram
Dança daqui, sapeca de lá

Suores de tanta refrega
Pegamos a bandida vencida
Em forquilha de vara curta
Não morta, desfalecida

Manhosa toda estirada
Quem te viu quem te vê
A união fez a força
Foi muita labuta vencer

Leva a bicha pra Salvador
Tornam o veneno em soro
Nas veias de um cavalo
Na mão de algum doutor

Outro disse, leva pra Ipirá
Tem curador para comprar
Com esta coisa viva não ando
Abatida me ponho a pensar

A conversa rolava solta
O troço foi de assustar
A nojenta inventou rebolado
Soprando um vento sibilado

No pavor, sem nem piscar
Bengo Véio empeixerou
Lascou da goela a ponta
A bichana mal-encarada

Num "zap" eram duas peças
De um lado o couro ocado
Do outro a carne trincando
Nós outros aparvoados

Descarta a cabeça, um palmo
Enterra bem fundo as presas
Embaixo de pau de espinho
Pra menino não encontrar

O couro é pro jardineiro
É ele quem vai esticar
A carne deixa aqui mesmo
Corro direto pra moquear

A valente jararaca
Ganhou destino insólito
Nas lenhas de um fogão
A desafiante virou farofa

Do couro, um tamborim
Linda frente para boné
Uma capa de polvarim
Um cinto de metro e vinte

Uma bolsinha pequena
Pra guardar fel de teiú
Que ajuda a curar o veneno
Da "boiquirana" de chocalho

Dominó e buraco, bicando
Abaíra, limão e mel
Farinha e cobra assada
Os pés sem triscar o chão

Pois todo cuidado é pouco
Depois da luta de louco
A família pode querer
Vingar e dar o troco

Nas noites de boa prosa
Com viola ou sem viola
Uma história pra contar
Mil modos de acreditar

Com direito a arrumações

Almirante Águia
Este trabalho foi atualizado, a versão anterior está pubicada no Portal Overmundo
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sábado, 17 de julho de 2010

EPITÁFIO II


Epitáfio Quebrado


Ednaldo deixou o copo cair no chão, molhando um pouco o carpete, fato que deu motivo para breve fala exaltada da esposa, ressaltando sua incompetência.

O miserável levantou meio que se arrastando, meio que morto-vivo, pegou o copo que caiu em pé e colocou sobre a pia, como quem deixava para depois.

Foi então arrumar a mesa como a esposa pediu. Apagado em seus pensamentos, esboçava um risinho irônico contra si mesmo ao se indagar o quanto a sua vida estaria valendo naquele momento; não conseguia escanear na memória, se já houve algum tempo em que teve maior valor. Arrumou a mesa silenciosamente, fez o melhor que pode diante da própria mediocridade; usou a sua antiga e rápida experiência como garçom de botequim, um tempo longínquo onde já tivera alguma esperança.

A mulher, não menos medíocre, sem lhe dar crédito algum, disse ao voltar do banho que homem que é homem não se mata sem dar aviso ou deixar um bilhete, pois não seria justo a polícia vir com suspeitas para cima dela; também se faz necessário deixar os papéis bancários organizados, uma viúva não pode ficar desamparada; e que seria bom que ele aprendesse com ela a organizar os documentos em pastas específicas.

E falou que sobre o assunto tinha só mais uma coisa a dizer: se ele realmente quisesse cometer algum suicídio idiota, que fosse no decorrer do dia, nunca em horário próximo a sua chegada do trabalho, porque assim ele não passaria pelo vexame de ser socorrido e ter que dar explicações à família e aos estranhos.

Ednaldo comia lentamente, enquanto a companheira abandonando o assunto anterior, falava sobre bolsas e sandálias, sem deixar de dar destaque especial para um jogo de jantar que vira no centro comercial no horário do almoço; disse também que encontrou uma loja com boas camisas em promoção, sugerindo que o marido fosse dar uma olhada, porque nem para se trajar ele servia.

Com uma falsa atenção, o sujeito mastigava o jantar sem ouvir direito o que a mulher dizia, pois seus pensamentos pairavam ainda sobre a decisão de morrer.

Terminado o jantar, a esposa perguntou se Ednaldo queria um cafezinho. Ele se ofereceu para pegar. E ela, que continuava a tagarelar, fez pausa para dizer que preferia o seu café em uma xícara grande. E continuou dizendo que o marido não tinha competência para escrever um bilhete de despedidas.

Ednaldo pegou um bloco de papel e a desafiou: “mostre-me o que você escreveria”.

A mulher arrogante rabiscou umas três linhas em um pedaço de papel e o entregou ao marido. Enquanto a deprimente mulher tomava o café, o homem medíocre leu o bilhete às gargalhadas. Logo a esposa começou a se contorcer e morreu. O homem levantou-se da mesa, foi para o quarto e dormiu um sono profundo, não sem antes examinar o cadáver e colocar o pedaço de papel sobre a mesa, bem em frente à esposa suicida.

Este texto é uma sequência de "Epitáfio", de Ivette G.M. (publicado em 14/07), a mesma acenou positivamente a esta minha intromissão, concordando com a publicação neste blog.
Almirante Águia

Este trabalho e muito mais, vocês encontram
no Site Lima Coelho. Siga este link.
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quarta-feira, 14 de julho de 2010

EPITÁFIO I

Epitáfio
Aqui jaz um medíocre redimido pela morte!

Este seria o seu epitáfio já que naquele momento Ednaldo segurava um copo contendo veneno, que pretendia tomar, sentado em uma poltrona, na penumbra da sala, trajando sua melhor roupa, bem barbeado e cuidadosamente penteado.

Tomou consciência de sua mediocridade quando pela primeira vez, aos oito anos de idade, ouviu sua mãe dizer-lhe que era uma criança absolutamente medíocre. E daí para a frente nunca mais ela deixou de lembrar-lhe a sua mediocridade.

As mães sempre estão certas sobre seus filhos, ele pensou. Foi um estudante medíocre, um adolescente medíocre, um namorado medíocre, casou-se com uma mulher medíocre e foi um marido medíocre. Nunca teve nenhuma idéia brilhante, nenhuma conversa agradável, sequer sabia escolher as próprias roupas. Vestia-se de forma medíocre. Sua vida era de uma rotina medíocre!

Era um trabalhador medíocre e nunca chegou a encarregado nem a chefe porque seria um chefe medíocre. Seu salário também era medíocre e não chegava sequer a proporcionar-lhe uma vida menos medíocre.

Era chegada a hora de fazer algo espetacular! Uma morte da qual todos falariam e se lembrariam.Não tiraria a própria vida com arma de fogo, embora pudesse ser um ato mais espetacular, para os fins a que se destinava. Tomando veneno ele teria mais controle sobre o final da tragédia.

Seu epitáfio estava escrito em uma tira de cartolina, colocada sobre seu peito. E se ele o modificasse? Poderia ser assim: “ Aqui jaz um homem de coragem”. Ou ainda: “ Aqui jaz um homem que viveu mal e morreu bem”. Não, muito esquisito. Resolveu deixar a primeira opção: “Aqui jaz um medíocre redimido pela morte”.

Tudo planejado e a ponto da execução quando sua mulher entrou em casa, arrastando suas chinelas,com seu eterno jeitão de enfado, trazendo uma cesta de compras. Olhou para aquela cena e disse, em tom de voz cansada: “Que dramalhão medíocre é este que você está encenando? Pare com essa besteira e arrume a mesa para o jantar.”

Quebrou-se o clima planejado para o “gran finale”. Não tinha jeito mesmo. Seu epitáfio já fora escrito pelo destino.

Aqui jaz um medíocre.

Autora: Ivette G.M
Este texto pode ser lido no PORTAL OVERMUNDO

_NN

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Humor - O Primeiro Lugar


HORA DE RIR OU DE CHORAR, RÁ RÁ, RÁ

Zé Silva, motorista responsável, após pagar muitas prestações e dever muitas outras, precisou entregar seu "bruto" para o banco. Amargava um arrocho tremendo quando teve um estalo e correu para a prefeitura. Cidade pequena, prefeito recém empossado e quase primo, foi entrando cumprimentando e solicitando:
- Meu primo, amigo e prefeito, vim aqui lhe fazer um pedido...
- Pois não Zé, pode falar.
- Preciso que a prefeitura me dê um caminhão, você sabe como está a coisa, e perdi meu bichão pro banco... Lutei muito na campanha, te defendi publicamente e coisa e tal.
O prefeito lhe ofereceu vaga de motorista do gabinete ou de uma secretaria, Zé deu um pulo:
- Deus me livre de ser funcionário de prefeitura, atrasa muito e paga mal, quando paga!
O primo, amigo e prefeito coçou o queixo e chamou sua afilhada, a secretária e ordenou:
- Ritinha, minha filha,  pegue uma folha de papel timbrado e escreva assim:

.:: LISTA DE DOAÇÃO DE CAMINHÕES ::.

Faça dez linhas numeradas, na 2ª linha escreva o nome completo de nosso amigo Zé e coloque o CPF dele.
Zé meio contente e meio confuso, perguntou ao prefeito:
- Primo eu não entendi, por que não tem ninguém na lista e eu vou ser o segundo?
O prefeito mais rápido que bala perdida respondeu:
- No dia em que a prefeitura tiver dando caminhão, o primeiro da lista será eu.

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domingo, 4 de julho de 2010

Maria Guimaraes Sampaio

Foto: 43Iracema Chequer Ag. A Tarde

MARIA GUIMARAES SAMPAIO (1948-2010)
Fotográfa e escritora
"perdida entre ficção e realidade"
... agora em nova realidade...

Seus livros
"Estrela de Ana Brasila" e "Rosália Roseiral" - Editora Record
"Continhos Para Cão Dormir" I e II - Editora P55

Blog: Continhos Para Cão Dormir

Subiu mais de 100 andares no elevador aberto. O piso em madeiras velhas - quase podres. As cordas rangendo. Vento, ventoinho, cruviana. Por cada andar, magotes de pessoas saiam. Poucas entravam. Chegou sozinha ao centésimo andar e nele reconheceu a canção de Vinícius - era uma casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada... Sentou numa nuvem, tomou do violão pendurado nas chaves de Pedro e lembrando uma outra cantiga mais antiga, cantou: daqui não saio, daqui ninguém me tira...
Continhos Para Cão Dormir I, pag. 35

1999
Trinta anos da morte de minha mãe.
Minha Mãe vive dentro de mim.
Raramente ela vem , em sonho, me ver.
Esta noite ela foi e voltou muitas vezes.
Visitou doentes em hospitais, consolou
perdidos em enterros. Eu, pregada
nela: abraçando, beijando, sentada
de junto: acariciando seus cabelos,
braços. Mãos dadas. Perguntei por
que o esparadrapo no pescoço e em
gaitada me respondeu ah minha filha!
Foi uma injeção que me deram ao vivo
e em cores! A cada chegada de minha mãe
há uma alegria e uma interrogação.
Uma dúvida de como tantos anos se
passaram pensando que minha mãe
está morta... se ela está aqui e agora.
Mas ela não está.
Continhos Para Cão Dormir I, pag. 43

Tudo é um pouco estranho, mais impressionante que estranho, durante a semana que se passou, a partir de quarta ou quinta-feira, lia "Continhos", praticamente todos estes dias até ontem,  falei sempre sobre a forma daquela escrita, com quase todos aqui em casa, ontem resolvi ir ao blog, fiquei tomado de dor e mágoa, dor pela ocorrência fatal, pela ausência da pessoa que mal conheci, talvez sem nunca mais reencontrar. A mágoa vem da minha própria desatenção e falta de aproximação com as pessoas que me interessam. Felicidade - fica um legado de imagens e textos, na minha memória, o registro de uma pessoa entusiasmada com os pés na própria história (e da Bahia), vivendo o contemporâneo. Uma pessoa que em algum momento me fez sentir importante. A lição - jargão ou não: Não deixem nada para depois...

Seguir em frente.

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